Mestre
Nhanderu Valdomiro Flores
tekoha Guaiviry, MS

Assistentes
Daniel Lemes Vasques
Genito Gomes

Participantes convidados
Pedrina de Lourdes Santos
Sebastiana de Oxóssi
Ailton Krenak
lideranças da Ocupação Guarani-Kaiowa
Contagem, MG

Professora parceira
Luciana de Oliveira
DCS/FAFICH

Ementa
Antes e depois da chegada dos brancos, a vida social e política dos Kaiowas e Guaranis nas fronteiras do Mato Grosso do Sul e Paraguai sempre foi intensa. Foi, com dificuldades crescentes à medida que a invasão de seus territórios foi se intensificando, permeada por trocas e encontros no grande território (tekoha guasu ou Ka’aguy Rusu era o nome desse território, ou ainda te’yi jusu) por onde circulavam em grandes caminhadas (ojopohu). Nele organizavam-se os agrupamentos das famílias extensas (tekoha ou che amba) e as trocas entre elas aconteciam nos rituais e festas – os batismos, a reza longa (mburahei puku), as rodas e guahu e cotyhu – que contemplam amplo repertório de cantos geradores de sociabilidade entre diversas agências, humanas e não-humanas. No centro da vida, sempre fundante do ser, estão as palavras que são também a alma das pessoas (ñe’e).

A “alma-palavra” é agência motriz do ser Kaiowa da qual desdobram diferentes afecções. Os nomes das pessoas, o seu ñe’e, vêm de Nhanderu ete, significando modos possíveis de criar mundos e neles habitar. Ñandesy e Ñanderu nasceram do umbigo do mundo junto com o ar (pytu), o vento (yvytu), a água (y) e a luz (rendy). O local geográfico onde tudo começou é conhecido como Cerro Guasu e hoje está localizado no lado paraguaio de uma fronteira forjada que sequestrou vidas e paisagens. Também é chamado de Yvy Pyte, o umbigo da terra no sentido de um centro cósmico.

A reza (nhemboe) é o começo de tudo: é ela que permite o nascimento e os povos Guarani e Kaiowa seguem rezando para as plantas crescerem e as crianças nascerem para que o mundo não acabe, embora as catástrofes experimentadas na terra evidenciem que o homem branco não está colaborando para a perpetuação da vida. Ñandesy e Ñanderu se multiplicam em diversas famílias de seres invisíveis e guardiães sagrados de diversas coisas, como:

1) Tupã Tiririju, dono do relâmpago, do raio;

2) Tupã Retypy’ã Yryary Ju, dono das águas brilhantes que correm acima e abaixo da terra para o mar;

3) Jakairá, dono de alimentos como milho, batata, ramas e alguns animais que podem comê-los. Alguns dizem que ele é também o dono da mata, mas outros dizem que nem todo o mato é dele;

4) Paitá Mbeju, dono do amor;

5) Paikuñabiã, dono da força dos bichos que atacam, sob seu cuidado está a cobra e animais peçonhentos, sua forma é a da onça;

6) Tupã Paitani, dono da reza que provoca males, dos feitiços;

7) Marany, responsável pela destruição final do mundo, depois que a vida se acabar na terra; representado por sete estrelas e chamado também de Exu Jaty;

8) Kurupiry, dono da pedra.

Todo esse panteão, surgido do Jasuka sob o murmúrio da reza e dos cantos de Ñandesy e Ñanhderu originários, guarda afinidades eletivas com outros repertórios e práticas culturais brasileiros (com destaque para os do candomblé angola e umbanda), além de mobilizar diversas formas de existência – mitos, ritos, cantos e sonhos – que, como toda forma de conhecimentos tradicionais, são dinâmicas, têm protocolos específicos de reprodução e transmissão, e associam-se aos eventos do mundo indígena, não-indígena e às suas interfaces e fricções na história. Assim, a proposta do curso é dialogar com a cosmologia Kaiowa e Guarani a partir de 4 momentos:

1) Momento 1: Descolonizar o olhar (8h/a)
Responsável: Profa. Luciana de Oliveira
Apresentação de filmes, vídeos, mapas e outras informações sobre os povos Guarani e Kaiowa com o intuito de conhecer alguns elementos que constituem sua história, luta pela terra e aspectos “culturais”;

2) Momento 2: Encontros Kaiowas (20h/a)
Responsáveis: Prof. Daniel Lemes Vasquez, Profa. Luciana de Oliveira e convidadxs
A biografia e a memória incorporada na trajetória de um jovem aprendiz de xamã, o professor kaiowa Daniel Lemes Vasquez; exercícios de tradução intercultural com o candomblé angola e a umbanda (convidadas Pedrina de Lourdes dos Santos e Sebastiana de Oxossi); a luta pela terra e os direitos indígenas (convidado: Ailton Krenak); as solidariedades não equivalentes mas possíveis entre as lutas urbanas e as lutas do campo pela terra (convidadx: liderança da Ocupação Guarani-Kaiowa/Contagem-MG)

3) Momento 3: Cosmociência Kaiowa (16h/a)
Responsáveis: Prof. Valdomiro Flores, Prof. Daniel Lemes Vasquez (tradutor), Prof. Genito Gomes (tradutor), Profa. Luciana de Oliveira
A biografia e a memória incorporada na trajetória de um xamã, o professor Valdomiro Flores (pela segunda vez na UFMG); a cosmologia e o tempo mítico insurgente: mito e história (o mito do sol e da lua; o mito de congoé e nhambu pytã); os poderes do xamã: cantos-rezas, medicina, diálogos com parentes invisíveis; as histórias da luta pela terra, o assassinato de Nísio Gomes e o direito (interditado) ao funeral e a vida no território.

4) Momento 4: Avaliação da disciplina (16h/a)
Responsável: Prof. Daniel Lemes Vasquez e Profa. Luciana de Oliveira
Orientações em grupo ao trabalho final

A chicha e o fogo doméstico: apresentações do trabalho final e avaliação da disciplina com gravação de depoimentos em vídeo

Atividades integradas à programação do Fórum.Doc 2016

Código: UNI 053
Período: outubro a novembro de 2016
Carga horária: 60 horas
Vagas: 40