Maria das Dores Silva Nascimento, conhecida como Mãe Dôra, é tida como uma das “portas para vida do Povo Pankararu”. Nascida em 12 de agosto de 1964, no Território Indígena Pankararu, no sertão do estado de Pernambuco, Mãe Dôra é uma importante liderança e parteira dessa comunidade indígena. Ela já perdeu as contas de quantas crianças foram amparadas por suas mãos. Os “filhos de umbigo”, como são chamados os bebês que vêm ao mundo com sua ajuda, se multiplicam e são provas vivas de um saber tradicional que quase desapareceu. Dôra, que iniciou auxiliando partos na adolescência, trabalha desde 1992 (formalmente desde 1995), no Posto de Saúde Indígena Pankararu, na Aldeia Brejo dos Padres, como técnica de enfermagem. Guarda com clareza a lembrança do primeiro parto que realizou aos 18 anos de idade. A criança que viria ao mundo era seu sobrinho, Ricardo. Massageou a barriga da cunhada e pediu em orações ajuda das parteiras que já se foram, suas guias. O menino nascera roxinho e não respirou de imediato. Em meio a cânticos tradicionais Pankararus, um sopro de vida encheu o pulmão do bebê que gritou, para alívio de todas.
Mãe Dôra sempre aliou seus conhecimentos tradicionais indígenas sobre saúde ao saber biomédico para curar e cuidar de seu povo, fazendo uma “Simbiose” como diz Dona Prazeres, parteira de Jaboatão dos Guararapes (também Patrimônio Vivo de Pernambuco). Além do saber técnico, soma-se à assistência prestada por Dôra a espiritualidade de seu povo. No quintal da parteira, há ervas para todo tipo de uso. Ela sabe que o domínio sobre essas plantas é precioso, e não compartilha o conhecimento sobre eles para qualquer um.. Tamanho cuidado é justamente uma forma de preservar os ritos da tradição de seu povo, assegurando que os tratamentos fitoterápicos não acabem sendo usados de forma indiscriminada sem o conhecimento necessário.
Mãe Dôra também costuma ser psicóloga de todos. É quase juíza, quase assistente social. “Faço de tudo um pouco”, diz. O ofício de parteira não se fecha na atuação durante a gestação parto e pós-parto, mas se estende ao cuidado com toda a família fazendo uso de práticas específicas bem como de conhecimentos acerca de plantas e ervas aprendidos com os mais velhos e repassados aos mais jovens. Mantendo e transmitindo as tradições da etnia, Dôra é responsável pela inserção e formação de novas mulheres no ofício às quais chama de aprendizes. Sua atuação vem ajudando as mulheres Pankararu a voltarem a ter filhos em seus lares, reforçando a identidade indígena e promovendo a valorização dos saberes. A importância do reconhecimento e do fomento da atividade em vida de mestras como Dôra é aspecto crucial para o fortalecimento de sua atuação. Salvaguardar esse saber empírico, construído por mulheres, o conhecimento sobre seus corpos e seus processos, conhecimento amadurecido a partir de observação de outras mulheres e a gama de situações que podem ocorrer durante o parto.
Uma ciência tradicional que recepciona e salva vidas há séculos. A parteira é detentora de um conhecimento de dimensão holística e profunda. Está associado ao afeto, ao cuidado, possui conexão com o tempo, com a natureza, com a memória. O corpo feminino foi muito mais alvo de investigação científica do que o masculino. Partejar não era tipo como um procedimento médico, era de foro íntimo, de domínio das parteiras e das mulheres da família. O homem não fazia parte desse processo, não faziam nem eram bem vindos. A partir do século XVII as parteiras passam a ser marginalizadas, o corpo feminino começa a ser medicalizado, e, com a profissionalização da ciência e da medicina a coisa muda de figura, colocando os homens da ciência formal sob o domínio do procedimento, excluindo a própria mãe do circuito. Mulheres como Mãe Dôra devolvem às suas pares o protagonismo sobre o próprio parto, devolvem o afeto, o cuidado, e a atenção que dificilmente se encontra em hospitais e maternidades, públicas ou privadas.