É com enorme alegria que compartilhamos o número especial da Revista Mundaú dedicado às diversas experiências de Encontros de Saberes nas universidades brasileiras. Contribuímos com esse número por meio da publicação de um texto intitulado “Pedagogias do Vento” dedicado ao processo de construção coletiva do filme “Nas Giras do Vento” (2020, 25′). Publicamos também um ensaio fotográfico de “Retratos de Mestras e Mestres dos Saberes Tradicionais” com um texto de apresentação.

Mundaú é uma revista eletrônica semestral editada pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas.

Mundáu, palavra tupi, significa “o rio das chuvas ou das cascatas” e é imagem, então, de receptáculo e de abundância. Mundáu é também o nome de uma das mais importantes lagoas que fazem o complexo lagunar Mundáu-Manguaba, em Maceió-AL, e em torno do qual muitas cidades surgiram e muitas práticas culturais se consolidaram e se atualizam.

Rebendo artigos em fluxo contínuo e na forma de dossiês temáticos, tem por objetivo contribuir com o debate antropológico, o avanço da pesquisa e a divulgação de artigos dos especialistas da área, trazendo temas e questões do debate contemporâneo da disciplina. A Revista Mundaú está aberta à colaboração de pesquisadores de universidades e de instituições de pesquisa nacionais e internacionais na área da antropologia, na forma de artigos, em português, espanhol, inglês e francês.

Reproduzimos a seguir fragmento do texto de apresentação desse número pelos editores Edgar Barbosa Neto, Isabel Santana de Rose e Márcio Goldman:


Encontros com o “Encontro de Saberes”

EDGAR BARBOSA NETO
ISABEL SANTANA DE ROSE
MARCIO GOLDMAN

“O presente dossiê é o resultado de duas reuniões do Seminário Temático “Encontro de Saberes: Transversalidades e Experiências” ocorridas respectivamente em 2017 (em São Paulo, na USP) e em 2019 (em Florianópolis, na UFSC), como parte das atividades da VII e da VIII Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACT). A ideia que nos motivou a propor esse seminário temático, de cuja formulação inicial participou o nosso amigo e colega César Guimarães da UFMG, era a de criar um espaço, necessariamente plural, que permitisse um encontro entre alguns dos vários “encontros de saberes”. O propósito era constituir um lugar que tornasse possível alguma conexão transversal entre essas diferentes experiências, como uma aposta na direção de seu aprendizado recíproco. Este dossiê retoma o mesmo objetivo do seminário temático.

Necessariamente plural, dissemos, pois isso nos levou a multiplicar o campo de ação mais habitualmente recoberto pela expressão “encontro de saberes”. Nem todos os textos apresentados nessas duas reuniões, assim como nem todos os artigos publicados neste dossiê, correspondem exatamente ao que tem sido chamado de “encontro de saberes”, que dispõe de um desenho similar nas diferentes universidades nas quais está presente, embora as propostas e arranjos variem de acordo com os contextos locais. Trata-se, em todos esses casos, da inclusão remunerada de mestres e de mestras dos saberes tradicionais como professores e professoras de universidades públicas federais e estaduais. O artigo de José Jorge de Carvalho e Letícia Vianna, que abre este dossiê, recompõe essa história e nos ajuda a situar a singularidade e a importância dessa experiência, desde a sua criação na UnB, em 2010, por iniciativa do próprio José Jorge de Carvalho e como resultado do trabalho do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCT Inclusão), até o momento atual, no qual assistimos e celebramos a sua expansão para muitas outras universidades.

Essa ampliação do sentido referido pela expressão decorre de uma compreensão, seguramente compartilhada pela maioria dos colegas, de que o encontro de saberes constitui uma dimensão fundamental dos processos de inclusão étnico-raciais criados pelas políticas de ação afirmativa implementadas nos últimos vinte anos pelas universidades brasileiras. Desse modo, a reflexão sobre os encontros de saberes se situa dentro de um processo mais amplo de transformação das universidades, no qual, entre outros fatores, tem destaque um ingresso cada vez maior de estudantes negros(as) e indígenas na graduação e na pós-graduação.

Todos esses processos, na própria heterogeneidade de sua existência, constituem, como escrevem José Jorge de Carvalho e Letícia Vianna, “intervenções no mundo acadêmico em várias dimensões: de inclusão étnico-racial, política, pedagógica, institucional/administrativa e epistêmica”. O encontro de saberes, na sua acepção mais específica, nos obrigou a olhar para todas essas intervenções como experiências que criam diferentes situações de encontro. Nesse sentido, as experiências de encontros de saberes descritas nos textos reunidos neste dossiê englobam, além da presença dos mestres e mestras dos saberes tradicionais nas universidades, programas de pós graduação interculturais especificamente voltados para os povos e comunidades tradicionais; licenciaturas interculturais indígenas; pesquisas etnográficas realizadas com comunidades que circulam pelos espaços universitários e que estabelecem relações, alianças e limites com os conhecimentos acadêmicos; reflexões sobre o registro audiovisual dessas experiências e os aspectos éticos envolvidos, entre outras questões.”

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